Mas se não está nos planos de Deus, porque
então Ele criou pessoas homossexuais? A sexualidade é de fundamental
importância para todas as pessoas. Como pode Deus privilegiar algumas pessoas,
criando-as heterossexuais, e condenar outras a viver uma castidade imposta? Há
muitos que criticam o fato de o clero não casar, mas esquecem que todos que aderiram
a esse modo de vida o fizeram por livre vontade. Mas as pessoas homossexuais que querem
e precisam viver a sua sexualidade, não.
Em relação à anatomia e complementaridade dos
corpos, este é um argumento frágil e insustentável. Cada qual sabe o que mais
vai lhe satisfazer e complementar, não é quem está de fora quem define isso,
até porque a sexualidade envolve outras questões muito mais íntimas e profundas,
que dizem respeito aos sentimentos. Não somos máquinas onde uma peça se encaixa
na outra para funcionar adequadamente.
Realmente, não é crível que Deus tenha criado
alguém para sofrer com o peso da culpa por sentirem-se atraídas por pessoas do
mesmo sexo ou por viverem tolhidas na sua sexualidade.
É certo que no livro de Levítico fala que o
homem que se deita com outro homem comete uma abominação (Lv 18, 22), mas no
mesmo livro diz que se a filha de um sacerdote se prostitui, deve ser queimada
(Lv 21, 9), diz também que quando uma mulher tiver relações com um homem, os
dois deverão tomar banho, e ficarão impuros até à tarde. (Lv 15, 18), diz ainda
que quem comer alguma coisa sacrificada a Deus, terá que ser comida no mesmo
dia ou no dia seguinte, se alguém comer no terceiro dia, carregará o peso de
sua culpa, porque profanou a santidade de Deus e será eliminado do seu povo (Lv
19, 5-8). Há coisas realmente difíceis de serem compreendidas hoje quando se lê
alguns textos do Velho Testamento. E Jesus ainda disse: “Não pensem que eu vim
abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento.”
(Mt 5, 17-20)
Mas quando Jesus fala do
pleno cumprimento da lei, ele a aperfeiçoa sempre no sentido do amor, e não no
sentido de usar a lei para nos oprimir e condenar, a exemplo de quando ele
fala: “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: Não mate! Quem matar será
condenado pelo tribunal”. Eu porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva
do seu irmão se torna réu perante e o tribunal.” Mas uma vez, Jesus diz: “Vocês
ouviram também o que foi dito aos antigos: ´Não jurem falso’ mas ´cumpra os
seus juramentos para com o Senhor´. Eu, porém, lhes digo: não jurem de modo
algum...Digam apenas ´sim´, quando é ´sim´ e não, quando é não. O que você
disser além disso, vem do Maligno.” Assim, nesse último exemplo, Jesus está nos
dizendo que devemos ser verdadeiros em toda e qualquer circunstância, de modo
que a harmonia possa permear as relações.
Vejamos, ainda, a
passagem do evangelho de Lucas, sobre a mulher adúltera (Lc 8, 37): “Chegaram
os doutores da Lei e os fariseus trazendo uma mulher, que tinha sido pega
cometendo adultério. Elas colocaram a mulher no meio e disseram a Jesus: ‘Mestre,
essa mulher foi pega em flagrante cometendo adultério. A Lei de Moisés manda
que mulheres desse tipo devem ser apedrejadas. E tu, o que dizes?’ Perguntavam
isso para tentá-lo a fim de terem do que o acusar. Jesus, inclinando-se,
escrevia com o dedo no chão. Como insistissem em perguntar, ergueu-se e lhes
disse: ‘Aquele de vós que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra’. E, inclinando-se de novo, continuou a
escrever no chão. Ouvindo isso, eles foram saindo um a um, começando pelos mais
velhos. E Jesus ficou sozinho. Ora, a mulher continuava ali no meio. Jesus
então se levantou e perguntou: ‘Mulher, onde estão os outros? Ninguém condenou
você?’ Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor’. Então Jesus disse: ‘Eu também não a
condeno. Pode ir e não peque mais.’ Ora, como o mesmo Jesus que disse que veio
para dar pleno cumprimento à Lei, deixou de aplicá-la? A rigor, ele deveria ter
concordado com o apedrejamento, pois é como está escrito na lei. Mas, ao
contrário, fez todos refletir que aquela lei não poderia ser aplicada. O amor e
a misericórdia prevaleceram nesse caso, não a condenação e a morte.
Por outro lado, quando um especialista em leis
perguntou a Jesus, procurando prová-lo, o que deveria fazer para receber em
herança a vida eterna, Jesus perguntou-lhe: "O que é que está escrito na Lei?
Como você lê? Ele então respondeu: ´Ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu
coração, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente; e ao
seu próximo como a si mesmo´. Então Jesus lhe disse: Você respondeu certo. Faça
isso e viverá.” (Lc 10, 25-28). No evangelho de Mateus, Jesus nos fala que:
“Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a
eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas” (Mt 7, 12).
Como se vê, Jesus, mais
uma vez aborda o tema do amar ao próximo como a si mesmo, apenas utilizando-se
de outras palavras. Das citações acima podemos deduzir que a salvação não passa
pela condição de homossexualidade ou não, mas sim pela vivência do amor a Deus
e ao próximo, do qual decorrem todas as práticas verdadeiramente cristãs.
E tal raciocínio é corroborado,
ainda, pelo que nos diz Jesus mais adiante, no mesmo evangelho: “Quando o Filho do Homem voltar na
sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se-á no seu trono glorioso. Todas
as nações se reunirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor
separa as ovelhas dos cabritos. Colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos
à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estão à direita: - Vinde, benditos de
meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo,
porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era
peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava
na prisão e viestes a mim. Perguntar-lhe-ão os justos: - Senhor, quando foi que
te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de
beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos?
Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar? Responderá o
Rei: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes
meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes. Voltar-se-á em
seguida para os da sua esquerda e lhes dirá: - Retirai-vos de mim, malditos!
Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome
e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e
não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me
visitastes. Também estes lhe perguntarão: - Senhor, quando foi que te vimos com
fome, com sede, peregrino, nu, enfermo, ou na prisão e não te socorremos? E ele
responderá: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer
isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer. E estes irão
para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna. (Mt 25, 31-40).
A passagem é grande,
mas é importante reproduzi-la na íntegra para, mais uma vez, chegarmos à
conclusão de que a homossexualidade é absolutamente indiferente em relação aos
planos de salvação que Deus tem para nós. Talvez haja uma certa rigidez na
interpretação do tema, até porque se falarmos de (hetero)sexualidade ainda é
tabu em nossa sociedade, por mais que tenhamos avançado, o que não dizermos da
homossexualidade.
É difícil imaginarmos
o sentido de várias regras contidas no Levítico, quando lemos hoje, mas Jesus
veio justamente para colocar a Lei sob outra ótica, a ótica do amor. O que
poderia restar da lei contida no Levítico poderia ser no sentido de que ninguém
deve usar o corpo do outro de forma egoísta, sem que o amor esteja presente na
relação, o que reduziria o outro a mero objeto de prazer. Mas isso é válido
para qualquer relação, não só a homossexual.
Se as relações
homossexuais estáveis públicas nos nossos dias ainda passam pelas barreiras do
preconceito, para nós hoje é praticamente impossível imaginarmos como eram
vistas e vividas tais relações naquela época, o que talvez para aquele momento
fizesse sentido a Lei. Ressalte-se ainda, que em nenhum dos evangelhos Jesus
fala a respeito do tema. Apenas mais à frente, na primeira carta aos Coríntios,
Paulo vem falar que os “efeminados” não herdarão o Reino de Deus, mas no
contexto dos outros que não herdarão o Reino estão adúlteros, depravados,
sodomitas etc., e mais adiante ele continua falando sobre imoralidades e prostituição. Mais uma vez o que se depreende do texto, no
contexto em que está inserida a expressão “efeminado”, é que ele está se
referindo ao uso do corpo, desprovido de qualquer respeito a si e ao próximo, o
que pode ocorrer com qualquer pessoa, homossexual ou não. Do contrário, se
formos levar em consideração o entendimento ao pé da letra, o fato de ser
homossexual, mesmo sendo casto, já levaria quem o é à condenação, já que “efeminado”
estaria como sinônimo de “homossexual”, palavra esta inexistente à época. Então
a simples condição de o ser já seria pecado, já que não é escolha da pessoa, e se assim fosse, Deus já estaria criando filhos fadados à
condenação, o que não faz o menor sentido.
Desculpe-me, mas há muita incoerência teológica em seu texto.
ResponderExcluirEspecifique!
ExcluirIncoerência é insistir em um preconceito repugnante.